sexta-feira, 17 de julho de 2020
Tribunal de Contas vê falhas na arrecadação de impostos e vai auditar cidades mineiras.
Tribunal de Contas vê falhas na arrecadação de impostos e vai auditar cidades mineiras
Presidente Cláudio Terrão destaca despreparo dos municípios e problematiza que ineficiência gera maior dependência de repasses da União e dos estados.
Por Flávia Cristini e Patrícia Fiúza, G1 MG e TV Globo — Belo Horizonte
Cidade de Bertópolis, Foto: Quequeu Viana/Arquivo pessoal
Um levantamento feito pelo Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG) aponta irregularidades na arrecadação de impostos em municípios mineiros, sobretudo em pequenas cidades. Segundo o tribunal, há ineficiência na cobrança por causa de isenções e renúncias fiscais indevidas, o que gera maior dependência de repasses vindos dos governos estadual e federal.
“A palavra é desconhecimento”, disse o presidente do tribunal, Cláudio Terrão, destacando que o despreparo de prefeitos é uma das principais causas. Abaixo, o G1 lista dados informados pelo TCE, explica pontos do diagnóstico, repercute com as cidades e ouve um especialista sobre a legislação.
Conforme o levantamento do TCE-MG, há munícipios com arrecadação zero de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis referente ao ano de 2016. São elas: Senador Cortes, na Zona da Mata; Santa Rosa da Serra, no Alto Paranaíba; e Juramento, no Norte.
O levantamento também apontou que, em 568 dos 853 municípios, a receita proveniente de transferências da União e do estado correspondeu a mais de 80% do total arrecadado entre 2013 e 2016. As informações são declaradas pelos municípios. Para fazer o diagnóstico, o tribunal comparou o montante arrecadado por meio de tributos municipais com o valor transferido.
Há casos em que a receita vinda de fora ultrapassa 90% do total arrecadado no período. São 163 cidades que arrecadaram bem pouco em impostos municipais, dentre as quais se destacam:
Percentual de dependência dos repasses da União e do estado:
Bertópolis (Vale do Mucuri): 96,94%;
Grupiara (Alto Paranaíba): 96,49%;
Conceição de Ipanema (Rio Doce): 96,30%;
Chalé (Zona da Mata): 96,34%;
Sardoá (Rio Doce): 95,77%.
Outro dado informado refere-se ao período de 2016, no qual 75 das 853 cidades mineiras arrecadaram menos de R$ 5 mil com o IPTU. Também em 2016, a receita arrecadada com todos os impostos não ultrapassou 70% da estimada inicialmente em 114 do total de municípios mineiros. O ranking completo de qual cidade está melhor ou pior em políticas arrecadatórias não foi divulgado.
“O mais elementar que nós encontramos nisso tudo foi realmente o desconhecimento, o despreparo do gestor público no que diz respeito à capacidade de arrecadar", disse Terrão.
“O mais elementar que nós encontramos nisso tudo foi realmente o desconhecimento, o despreparo do gestor público no que diz respeito à capacidade de arrecadar, de instituir uma política de arrecadação, uma política fiscal. Isso realmente foi impactante ”, disse o presidente do TCE-MG, Cláudio Terrão.
De acordo com o TCE-MG, a finalidade do projeto não é aumentar alíquotas de tributos e sim entender as razões da ineficiência para implementar um modelo de cobrança.
Após o diagnóstico, o próximo passo será uma auditória, que começa em agosto. O trabalho de campo será feito em 14 cidades para analisar as particularidades de cada administração (veja a lista mais abaixo) e propor um trabalho de cooperação.
Técnicos do tribunal vão até os municípios com a proposta de aprofundar o diagnóstico e entender as causas da ineficiência. Eles vão avaliar, por exemplo, se as cidades possuem Código Tributário, Secretária de Finanças estruturada, se promovem concurso público para o cargo de auditor fiscal, se fazem o lançamento anual do IPTU e a forma de cobrança da dívida em caso de não pagamento.
De acordo com o tribunal, são duas por região, sendo uma com a arrecadação fraca e outra com melhor resultado. A justificativa é que a metodologia permite a comparação de dados entre cidades com o mesmo contexto regional, o que vai facilitar a troca de boas práticas.
Sem a devida arrecadação, serviços básicos podem ser prejudicados.
“Como é que os municípios podem atender as demandas sociais, prestar os serviços adequados, educação, saúde, segurança se eles não conseguem captar os seus recursos próprios, se eles não têm uma infraestrutura, um planejamento político-administrativa fiscal adequado”, questiona o presidente do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais.
Metas e ajustamento
A partir da auditoria, o tribunal vai apontar os problemas encontrados e firmar com os prefeitos um Termo de Ajustamento de Gestão (TAG) para que o gestor público faça as correções até 2020, fim do mandato. Algumas metas vão ser definidas em prazo menor com o acompanhamento de um técnico do tribunal. O descumprimento está sujeito a punições, como multa para o gestor e não para o município.
Ainda conforme do TCE, as informações levantadas podem ainda influenciar na análise da prestação de contas anual do prefeito, que é definida na Constituição do Estado e na Lei Orgânica do Tribunal de Contas.
“O que nós vamos fazer agora é, de alguma maneira, colaborar com eles [prefeitos e municípios]. Primeiro numa linha pedagógica, auxiliando a estruturar as suas áreas de arrecadação de receitas", disse o presidente do TCE-MG.
“O que nós vamos fazer agora é, de alguma maneira, colaborar com eles [prefeitos e municípios]. Primeiro numa linha pedagógica, auxiliando a estruturar as suas áreas de arrecadação de receitas. Este diagnóstico espelhou um problema sério em relação aos municípios mineiros. São falhas e irregularidades. Até porque se pode até dizer ilegalidades porque afronta o artigo 11 e muitas vezes o artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal”, disse o presidente do TCE-MG, Cláudio Terrão.
A preocupação em relação às receitas dos municípios é uma novidade na atuação do tribunal, voltado para análise das despesas públicas, sendo este o primeiro levantamento. “A partir do momento que houve esta crise econômica, o problema ficou evidente porque se destacou ainda mais a dependência dos municípios destas entidades regionais, no caso, os estados, e da entidade central, que é a União”, explicou Terrão.
Legislação
De acordo com um especialista em direito público ouvido pelo G1, toda cidade deve estabelecer as regras fiscais. “Todo município tem que ter um Código Tributário Municipal fixando as regras para a cobrança dos tributos de sua competência, fixando as alíquotas e a forma de cobrança, exercendo sua autonomia”, disse o advogado Flávio Bozon.
Há previsão legal de isenção justificada. “Segundo determina a Lei de Responsabilidade Fiscal é possível sim a renúncia de receitas, mas ela tem que vir antecipada por um estudo do impacto e pela indicação de outra fonte de custeio para por ventura suprir a receita do qual o ente está abrindo mão”, explicou.
Bozon ressalta que, como a União arrecada a maior parte dos tributos, haverá dependência dos municípios, contudo, este não pode se eximir de deveres. “Ainda que baixa ou reduzida a arrecadação dos tributos, era dever do ente municipal promover a cobrança”, disse ao comentar casos em que não houve recolhimento.
Zero ou pouca arrecadação
O G1 procurou as cidades citadas no levantamento do TCE-MG.
A Prefeitura de Senador Cortes afirmou que, em 2016, arrecadou R$ 52.343,43 com o IPTU, conforme levantamento do Setor de Arrecadação Fazendária. A cidade consta no diagnóstico do TCE-MG entre as cidades que declararam arrecadação zero.
A reportagem não conseguiu contato com a Prefeitura de Santa Rosa da Serra e aguarda retorno da Prefeitura de Juramento.
Em relação à baixa arrecadação interna, o município de Conceição de Ipanema informou que 10% da população paga o IPTU. Segundo o diretor de Tributos e Patrimônio, Alex da Mata, nas gestões anteriores, o valor foi fixado em R$ 70 para qualquer imóvel, sendo o pagamento espontâneo e os devedores não foram inscritos em dívida ativa.
Ele afirma que a forma de cobrança está sendo restruturada, e um trabalho de medição em andamento será concluído ainda em julho. Há também cobrança de ITBI, alvarás e licenças, Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), que geram pouca receita.
Em Grupiara, os valores são bem defasados, de acordo com o controlador interno, Marcos Ribeiro. Segundo ele, é feita uma cobrança mínima da população, pois a maioria recebe salário mínimo, e um aumento poderia comprometer a renda. O município informou que, em 2016, arrecadou R$ 10.283,06 com IPTU. A cidade não tem comércio forte e nem indústria instalada, o que inviabiliza outras arrecadações.
A Prefeitura de Bertópolis afirmou que, em 2016, arrecadou apenas R$ 644,57 com o IPTU e justificou que o Código Tributário e o cadastro imobiliário do município estão defasados. Como os devedores não são incluídos em dívida ativa, não há preocupação de contribuintes com a inadimplência. Além disso, informou que há áreas sem legalização e recolhimento de impostos.
Ainda a segundo a administração municipal, a situação contraria a Lei de Responsabilidade Fiscal e, desde o início da atual gestão, estão sendo adotadas medidas como regularização de imóveis urbanos, readequação de normas fiscais e modernização do banco de dados de contribuintes.
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